domingo, 21 de julho de 2013

A agenda de trabalho do presidente Lula.

A agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disponível no site www.planalto.gov.br. Qualquer cidadão pode confirmar os dados apresentados por mim no artigo publicado por esta Folha em 24 de abril (“Os trabalhos e os dias”, pág. A3). A resposta de Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete do presidente (“851 dias de muito trabalho, sim senhor”, pág. A3, 3/5), reforça o que escrevi. Lula não tem interesse pelas atividades administrativas, cerne de qualquer governo, preferindo as cerimônias públicas, no Brasil e no exterior. Somente em viagens ao exterior -47, até hoje- o presidente passou quase quatro meses perambulando por quatro continentes. É fato inédito e tem toda a razão o senhor Carvalho. Mas isso até parece recorde do “Guiness Book”: nada representa.

A agenda de Lula revela a busca da popularidade fácil, adquirida com base na simpatia e no paternalismo

Nenhum dos dados que apresentei foi contestado e, certamente, eles foram checados pelas dezenas de assessores palacianos. Somente um foi negado: a audiência ao presidente do Clube do Choro de Brasília. Realmente foi o vice-presidente da República quem o recebeu. Nesse dia, a agenda presidencial omitiu as atividades em Monterrey.
Não é preciso estar no Palácio do Planalto e perguntar para os funcionários e jornalistas, como sugere Carvalho, para chegar à conclusão de que a agenda é reveladora de um estilo de governo. No dia 21 de abril de 2004, Lula recebeu o animador Ratinho, às 11h, para um almoço-entrevista. A próxima atividade estava marcada para às 17h20. Portanto permaneceu por quase seis horas com o seu amigo pessoal para uma entrevista que nem sequer foi exibida. Enquanto isso, concedeu meia hora ao ministro Ciro Gomes, no dia 19 de maio do mesmo ano, apesar de a agenda ter, segundo Carvalho, “um planejamento cuidadoso” e ser organizada por um grupo de assessores -e isto, convenhamos, é o que não falta no Palácio.
A agenda revela a busca da popularidade fácil, adquirida com base na simpatia e no paternalismo, mantendo a velha tradição brasileira: é a cultura política da casa-grande.
O presidente encontrou-se com moradores de rua a 23 de dezembro de 2003 (das 15h40 às 16h). Porém, para o senhor Carvalho, Lula “celebrou o Natal” com eles. Não seria mais eficaz estabelecer políticas públicas para enfrentar esse grave problema? Ou os 20 minutos com os moradores de rua já bastam?
O chefe-de-gabinete exige rigor do historiador. Tem razão. Todos os dados que citei têm origem oficial. Ele é que não é muito rigoroso. Diz que a assessoria usa um modelo de trabalho com base na experiência de quatro presidências e inclui a Inglaterra. Inglaterra? Fala que em muitos dias o trabalho do presidente no Planalto vai até as 22h. Dos 805 dias pesquisados, em nenhum deles, nenhum mesmo, o presidente esteve no Palácio até esse horário. Pelo contrário, em inúmeros dias Lula começa o trabalho às 10h e termina o expediente no meio da tarde.
O chefe-de-gabinete fala em preconceito. É inadmissível blindar qualquer crítica ao trabalho de Lula com essa pecha. A ausência de uma agenda efetivamente presidencial não tem nenhuma relação com sua escolaridade. A discussão é no campo da política, e não da moral. É para um tipo de gestão que se manifesta de forma cristalina numa agenda caótica.
Mas, se a agenda é pobre, o site da Presidência é rico em propaganda oficial. Nas duas páginas disponibilizadas na internet, Lula é chamado de “carismático dirigente” e teria liderado a campanha pelo impeachment de Fernando Collor; ou seja, a mobilização da sociedade civil não passou de um movimento conduzido por ele. No final da apoteótica biografia, ficamos sabendo que o “presidente Lula e sua equipe de governo deram início a uma série de transformações estruturais que encaminharam o país para se encontrar com seu promissor destino”. É uma espécie de destino manifesto petista, que seria até bom, se fosse verdade. Onde estão as transformações estruturais?
É intolerável aceitar que o site da Presidência da República se transforme em instrumento de propaganda, independentemente de ser do PT, do PSDB ou do PFL. Lula não é presidente do PT, mas é presidente do Brasil. O site não é do PT, mas da Presidência da República. Espera-se que uma agenda presidencial tenha outro conteúdo. Por exemplo, que dê atenção aos índios. Quantos não morreram de fome no Mato Grosso do Sul? O que o governo fez? Ou será que bastou o lançamento, com presença de Lula, da ONG Fome Zero no hotel Unique, um cinco estrelas dos Jardins, em São Paulo, em 8 de julho de 2003, para resolver o problema da fome?
Roraima vive uma guerra civil. O que o governo fez? A agenda é praticamente omissa no tratamento da questão.
Nunca a floresta amazônica foi tão destruída? A agenda mostra que a ministra Marina Silva raras vezes esteve com o presidente.
Nas metrópoles o desemprego continua assolando milhões de trabalhadores. E os dez milhões de empregos prometidos na campanha? E o caos na saúde, estradas, moradia?
O senhor Carvalho tem toda a razão, nunca “um governo abriu tanto sua agenda para um diálogo com o setor produtivo do país”. Para Lula, o importante é dar atenção ao setor produtivo, aos empresários. Já o “andar de baixo” serve só para ser eleitor e aguarda não se sabe até quando para ser cidadão.

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